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A primeira pessoa a entrar na carruagem encontra os quatro bancos vazios. Pensa: bem, vou sentar-me neste banco junto à janela, para que as outras pessoas tenham mais facilidade em sentar-se e sair, já que apenas saio na última paragem.

A música recomeça. Primeiro os apitos, depois o fecho das portas, o comboio ganhando balanço, as dobras da linha…

A música para: outro passageiro chega e encontra três lugares livres. O primeiro está defronte do único lugar ocupado. Pensa: não vou sentar-me ali; com outros dois lugares vazios – os do corredor – esta pessoa ficará incomodada, ficando eu diante dela. Se me sentar no banco do corredor que fica ao lado dela, também será inconveniente. Resta um lugar: o do corredor; aquele em que ficarei diagonalmente disposto em relação ao outro passageiro – não o incomodo e ser-me-á mais fácil sair.

A música recomeça.

A música para.

Novo passageiro. A escolha é óbvia: se existe um lugar em que só é necessário sentar-se – o do corredor –, não se sentará no lugar vago da janela, pois teria de atravessar incomodando a diagonal formada pelos primeiros dois passageiros.

A música recomeça e termina durante algumas paragens.

Ninguém se atreve a ocupar o último lugar, agora enclausurado, junto da janela.

No momento em que a música pausa, a carruagem vai sendo ocupada. Até que, quase sem lugares, a quarta pessoa, visivelmente forçada e a medo, incomoda os três passageiros, que encolhem os pés e tiram os sacos do chão.

O banco ficou completo.

Ganharam o jogo, e quem não conseguiu sentar-se, acabando de pé, perdeu-o.

A música continua.

Os quatro, no banco sentados, têm agora entre as mãos o telemóvel ou um livro. Esta, no entanto, – vulgaridade à parte – é dança para outra narrativa.

Luís Ramos

Os Invulgares

Comments(2)

    • José Serra

    • há 5 anos

    Prosa ao ritmo do comboio: fluida.
    Curiosidade: em qual dos bancos se sentou o autor? Ou foi de pé, para observar melhor, e contar-nos como foi?

    • Luís Ramos

    • há 5 anos

    Antes de mais, obrigado pelo comentário.
    Faz o autor saber que, na verdade, este não é um jogo que corresponda a um único momento da sua vida, mas que, pelo contrário, a vida, quotidianamente, é uma sucessão de jogos, pelo que todos os dias há um jogo novo. Além do mais, quando há um grande número de jogos, existe, consequentemente, um grande número de resultados, os quais são, certamente, diferenciados. Nesse sentido, o autor já acumulou vitórias, sentado em qualquer um dos quatro lugares, como já acumulou inúmeras e recorrentes derrotas, umas mais espaçosas… outras mais apertadas…
    Espero ter saciado a sua curiosidade e, se for o caso, sorte para este jogo!

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