A reedição que a Bibliotrónica Portuguesa acaba de lançar – Ilha dos Amores, de António Feijó – foi
feita a partir do exemplar que pertenceu a Fernando Pessoa e cujas fotografias estão disponíveis no site da Casa Fernando Pessoa. A assinatura do poeta lê-se no topo de uma das folhas de guarda: “F. Nogueira Pessoa”.
Estando, na folha de rosto, um carimbo (riscado) indicador de outra propriedade, não podemos ter a certeza de ter sido Fernando Pessoa a sublinhar alguns versos neste livro-fonte. Mesmo assim, pareceu-nos valer a pena marcar o interesse demonstrado por estes versos, deixando-os escritos a cor sépia, na reedição. Concluída a primeira parte do livro, precisamente aquela que lhe dá nome, não se acham mais versos sublinhados. Quer fosse por o leitor se ter desinteressado da leitura ao chegar à segunda parte (“Auto do meu afeto”) quer fosse por qualquer outra razão, o certo é que não se encontram mais marcas de leitura.
A reedição de um livro de poemas levanta aos editores dificuldades específicas, que resultam essencialmente das frequentes quebras na mancha de texto – mudanças de verso, de partes do mesmo poema, de conjuntos de poemas – num espaço em que a pré-definição de margens, tamanhos (de página, letras, entrelinha etc.), títulos-correntes, numeração de páginas etc. impede adaptações à mancha. Não podendo adaptar-se o espaço, é forçoso adaptar a mancha gráfica ao espaço, sem comprometer nem a criação nem a legibilidade. Especialmente no caso de versos longos, este objetivo pode tornar-se num quebra-cabeças. Na verdade, a dificuldade é, pelo menos parcialmente, partilhada na edição de um original de poesia. Mas, neste caso, a possibilidade de perguntar ao autor a importância de cada face do poliedro poético alivia algumas decisões.
Numa reedição, cruzam-se com a dificuldade de disposição dos versos na página a dificuldade de interpretar certas decisões de arranjo gráfico. No caso de um poema cujas estrofes tenham número irregular de versos, por exemplo, é difícil decidir se há mudança de estrofe quando há mudança de página, mas é interpretação incontornável quando se faz uma reedição. O mesmo acontece com certos inesperados alinhamentos de versos (centrados, alinhados à esquerda, regular ou irregularmente etc.), que, podendo ter sido acidentais por não terem merecido a atenção do autor, podem também ter tido a intenção de produzir efeito complementar da criação poética. É ainda o caso do recurso (propositado?) ao itálico, num conjunto alargado de poemas, como acontece no livro agora reeditado.
Por todas estas razões, a reedição de um livro de poemas exige uma atenção redobrada à construção de cada página, uma depois da outra.
Dizem os editores da reedição agora lançada que escolheram este autor por ser imerecidamente pouco conhecido. Imerecidamente, de facto. O domínio que António Feijó tem da língua portuguesa é daquele género que ultrapassa a competência para chegar à arte, como se esta existisse antes de existir; como se criar não fosse mais do que encontrar. Abundam os versos em que a arte verbal parece tão simples como se pertencesse à simples natureza da linguagem. E, não sendo assim, é admirável, e um prazer.
A Bbliotrónica Portuguesa deve um agradecimento à voluntária Catarina Gonçalves, que assegurou a revisão deste livrónico.