Li o Linhas Entre Nós na edição original, em papel, e deliciei-me.
Quando apareceu a versão digital, na Bibliotrónica Portuguesa,
aproveitei para o recomendar a conhecidos que gostam de escrita
cuidada, mas, na altura, não me apercebi de que era viável fazer
uma apreciação sobre o trabalho.
Agora, que um grupo de amigos e ex-colegas procuravam obras
que valesse a pena discutir em Zoom, lá se perfilou, em lugar de
destaque, o livro que não passara ao olvido.
E porque é que eu, sendo uma leitora permanente, não esqueci o
Linhas Entre Nós, entre tantos outros?
Há livros que partem, e há alguns, mais raros, que ficam: este ficou,
e julgo que por mérito próprio, para além do meu gosto pessoal.
Deixemos os cinco poemas, que vão desde a quase ingenuidade
agradável e sonora, como é o caso de O Beijo da Estrela e
Imagens, ao tom quase bíblico de Serra da Estrela, e guardemos a
atenção para os cinco contos; os contos e as «Notas Coloquiais»
que, quantas vezes, se transformam, elas mesmas, em histórias
cativantes.
Quem de nós não tem ascendência em vila ou aldeia provinciana?
Pois o livro, através de ficções de base histórica, local ou nacional,
conduz-nos a uma revolta popular em vila serrana, motivada pela
pobreza (contida com armas que se tinham estreado na Grande
Guerra), por causa de água, que Deus dava… mas não canalizara
para a casa de cada um.
Revela-nos a vida de pastor e a sua filosofia analítica, pura, mas
sentida, em contraste com o homem que conduzia os destinos da
república, e que repousava, na Serra da Estrela, das turbulências
da capital.
Ou envolve-nos na mística de uma lenda antiga, em que a
fatalidade se impõe, mas talhada pelas nossas mãos.
E sobre o primeiro herói da nossa nacionalidade?! Surpreendente…
e em locais que podemos visitar.
E a doçura, a ternura, com que nos fala de botas e sapatos, em
tempos em que a sua valia era não somente considerada pelo
conforto ou necessidade, mas, pasme-se, pela sua classificação
social. Desafio-os a deixarem-se cativar pela descrição, que nada
tem de prosaica, de como se faziam uns sapatos… e que história a
desses sapatos!
E tudo num ambiente que nos permite conhecer as personagens,
partilhar as suas casas, oficinas, lugares de convívio, ruas,
fontanários, serranias, linguajar próprio, numa riqueza etnográfica
que não deve perder-se.
E ousando apresentar-nos as pessoas, com os seus próprios
nomes, que viveram os acontecimentos, tornando inultrapassável
em genuinidade cada linha e cada diálogo.
Contenho-me, permitindo-me apenas mencionar ainda um
«Glossário», que simplifica a interpretação de regionalismos, e um
«Guia Toponímico» que nos convida a viajar nos locais, alguns
paradisíacos, que são o pano de fundo dos enredos.
Fica o convite.
Avaliação 5 de 5
Graciela Neves –
A leitura foi-me abrindo portas, algumas entreabertas, outras no trinco, outras ainda de fecho e trancas cerradas.
O diálogo esbravejado entre livro e autor, cada qual com a sua teimosia e “modéstia” constitui propositada e inusitadamente peculiar prólogo, arremessando o eventual incauto leitor numa emboscada literária para a qual necessita de apetrechos linguísticos, históricos e geográficos – os mais palpáveis – para melhor descoberta/fruição da obra.
No conto da água só pude encontrar verdade. Tão genuínas aquelas gentes, com a frontalidade que lhes é característica, a solidariedade de mão cheia, as lutas denodadas, as brigas mais brejeiras, as vozes repletas de termos arrancados à tradição, à terra, à sapiência, ao trabalho e sofrimento. Frases e palavras que ecoavam e encaixavam exatamente naquilo que eu conheço, memorizo e aprecio dos meus amigos de Manteigas.
No conto narrado por um cão, não sei qual a personagem de maior destaque.Creio que os atores – pastor, cães e Afonso Costa – cada qual puxa pelos seus galões a refulgir estrela.
Viriato é um compêndio de história, é uma mostra da intensa cultura do autor, é uma linha de ficção para se poder alindar com os restantes.
As botas do Zé, são mesmo as botas dele, sem tirar nem pôr – diria a galinha da minha vizinha. Aqui reconhece-se o pai do autor, como noutros espreitam os seus antepassados, a mãe, a irmã. Sem perceber nada destas coisas intencionais, projetivas e biográficas do autor, atrever-me-ia a afirmar que o orgulho, a emoção, a afetividade, a gratidão, o sentido de pertença, a raíz, a herança familiar são as papilas gustativas ao rubro que nos fazem saborear o conto, ponto por ponto.
Talvez o autor quisesse vestir várias personagens para afugentar a monocromia de único narrador, talvez esconder-se nelas ou trazer maior riqueza – não metade da metade, mas em dobro dobrada – ou ainda entre mil razões ver a mesma tela com olhos diversos. Essa perspetiva obrigou o leitor a afinar ponteiros ao deparar-se com contos, poemas, personagens e explicações argumentativas.
Agradeço a oportunidade que me foi dada para conhecer esta magnífica obra.
Felicito a coragem do autor para expor ao público uma escrita tão esmeradamente cuidada, elevando e dignificando brilhantemente a nossa Língua.
Delfina Alves –
Li o Linhas Entre Nós na edição original, em papel, e deliciei-me.
Quando apareceu a versão digital, na Bibliotrónica Portuguesa,
aproveitei para o recomendar a conhecidos que gostam de escrita
cuidada, mas, na altura, não me apercebi de que era viável fazer
uma apreciação sobre o trabalho.
Agora, que um grupo de amigos e ex-colegas procuravam obras
que valesse a pena discutir em Zoom, lá se perfilou, em lugar de
destaque, o livro que não passara ao olvido.
E porque é que eu, sendo uma leitora permanente, não esqueci o
Linhas Entre Nós, entre tantos outros?
Há livros que partem, e há alguns, mais raros, que ficam: este ficou,
e julgo que por mérito próprio, para além do meu gosto pessoal.
Deixemos os cinco poemas, que vão desde a quase ingenuidade
agradável e sonora, como é o caso de O Beijo da Estrela e
Imagens, ao tom quase bíblico de Serra da Estrela, e guardemos a
atenção para os cinco contos; os contos e as «Notas Coloquiais»
que, quantas vezes, se transformam, elas mesmas, em histórias
cativantes.
Quem de nós não tem ascendência em vila ou aldeia provinciana?
Pois o livro, através de ficções de base histórica, local ou nacional,
conduz-nos a uma revolta popular em vila serrana, motivada pela
pobreza (contida com armas que se tinham estreado na Grande
Guerra), por causa de água, que Deus dava… mas não canalizara
para a casa de cada um.
Revela-nos a vida de pastor e a sua filosofia analítica, pura, mas
sentida, em contraste com o homem que conduzia os destinos da
república, e que repousava, na Serra da Estrela, das turbulências
da capital.
Ou envolve-nos na mística de uma lenda antiga, em que a
fatalidade se impõe, mas talhada pelas nossas mãos.
E sobre o primeiro herói da nossa nacionalidade?! Surpreendente…
e em locais que podemos visitar.
E a doçura, a ternura, com que nos fala de botas e sapatos, em
tempos em que a sua valia era não somente considerada pelo
conforto ou necessidade, mas, pasme-se, pela sua classificação
social. Desafio-os a deixarem-se cativar pela descrição, que nada
tem de prosaica, de como se faziam uns sapatos… e que história a
desses sapatos!
E tudo num ambiente que nos permite conhecer as personagens,
partilhar as suas casas, oficinas, lugares de convívio, ruas,
fontanários, serranias, linguajar próprio, numa riqueza etnográfica
que não deve perder-se.
E ousando apresentar-nos as pessoas, com os seus próprios
nomes, que viveram os acontecimentos, tornando inultrapassável
em genuinidade cada linha e cada diálogo.
Contenho-me, permitindo-me apenas mencionar ainda um
«Glossário», que simplifica a interpretação de regionalismos, e um
«Guia Toponímico» que nos convida a viajar nos locais, alguns
paradisíacos, que são o pano de fundo dos enredos.
Fica o convite.
Graciela Neves –
A leitura foi-me abrindo portas, algumas entreabertas, outras no trinco, outras ainda de fecho e trancas cerradas.
O diálogo esbravejado entre livro e autor, cada qual com a sua teimosia e “modéstia” constitui propositada e inusitadamente peculiar prólogo, arremessando o eventual incauto leitor numa emboscada literária para a qual necessita de apetrechos linguísticos, históricos e geográficos – os mais palpáveis – para melhor descoberta/fruição da obra.
No conto da água só pude encontrar verdade. Tão genuínas aquelas gentes, com a frontalidade que lhes é característica, a solidariedade de mão cheia, as lutas denodadas, as brigas mais brejeiras, as vozes repletas de termos arrancados à tradição, à terra, à sapiência, ao trabalho e sofrimento. Frases e palavras que ecoavam e encaixavam exatamente naquilo que eu conheço, memorizo e aprecio dos meus amigos de Manteigas.
No conto narrado por um cão, não sei qual a personagem de maior destaque.Creio que os atores – pastor, cães e Afonso Costa – cada qual puxa pelos seus galões a refulgir estrela.
Viriato é um compêndio de história, é uma mostra da intensa cultura do autor, é uma linha de ficção para se poder alindar com os restantes.
As botas do Zé, são mesmo as botas dele, sem tirar nem pôr – diria a galinha da minha vizinha. Aqui reconhece-se o pai do autor, como noutros espreitam os seus antepassados, a mãe, a irmã. Sem perceber nada destas coisas intencionais, projetivas e biográficas do autor, atrever-me-ia a afirmar que o orgulho, a emoção, a afetividade, a gratidão, o sentido de pertença, a raíz, a herança familiar são as papilas gustativas ao rubro que nos fazem saborear o conto, ponto por ponto.
Talvez o autor quisesse vestir várias personagens para afugentar a monocromia de único narrador, talvez esconder-se nelas ou trazer maior riqueza – não metade da metade, mas em dobro dobrada – ou ainda entre mil razões ver a mesma tela com olhos diversos. Essa perspetiva obrigou o leitor a afinar ponteiros ao deparar-se com contos, poemas, personagens e explicações argumentativas.
Agradeço a oportunidade que me foi dada para conhecer esta magnífica obra.
Felicito a coragem do autor para expor ao público uma escrita tão esmeradamente cuidada, elevando e dignificando brilhantemente a nossa Língua.
Um abraço,