A Bibliotrónica Portuguesa lançou hoje a reedição de Suspiros de Santo Agostinho, obra de um anónimo, traduzida em 1656 por Dionísio dos Anjos, e agora reeditada por Ana Oliveira e Catarina Horta.
A reedição deste texto do séc. XVII representou um desafio com certo grau de dificuldade. Na verdade, o livro-fonte em papel, que foi impresso na oficina de Henrique Valente de Oliveira, e se encontra atualmente na Biblioteca Nacional de Portugal, resultou de um processo de composição muito artesanal e, portanto, difícil de reproduzir com os meios atuais de edição de texto.
Foi, no entanto, possível, com as necessárias adaptações, ultrapassar as dificuldades e oferecer aos leitores atuais um livrónico que, além do conforto da leitura no monitor, permite a navegação interna, sem prescindir do projeto de apresentação à leitura que se reconhece no livro publicado em 1656. O mais claro exemplo deste facto é a solução encontrada para manter as citações bíblicas em latim, impressas nas margens do livro em papel, que foram transcritas a cor diferente em pequenas manchas de texto, alojadas entre a margem e a mancha de texto central. A colocação destes textos marginais teve de ser especialmente vigiada, pois o texto latino tem relação com o texto português, acomodado na mancha central de texto, e o compositor de 1656 visava certamente a leitura pari passu.
O estado do exemplar que serviu de livro-fonte a esta reedição constituiu também uma dificuldade, uma vez que pequenas partes do texto já não são legíveis. Foi, neste caso, adotado um procedimento de cautela, que se explica na nota editorial assinada pelas editoras. Aqui estabelecem também as regras de transcrição que mantiveram a reedição muito próxima do livro-fonte. O leitor encontrará por esta razão, neste livrónico, uma ortografia muito diferente da atual, mas também os diversos erros que se encontram no livro-fonte. Entre estes, ressaltam os que decorreram do processo manual da composição do livro, letra a letra (ou tipo a tipo), isto é, as letras invertidas ou cuja ordem é trocada. Só não foi possível manter a tinta em traço retilíneo que, ocasionalmente, denuncia ainda o rebordo do tipo.
Às dimensões reduzidas, margens estreitas e certa economia (por exemplo, na sequência dos capítulos sem interrupção da mancha de texto) somam-se diversos descuidos de composição para revelar um trabalho de perfil modesto. Contrasta com esta constatação o domínio da língua que o tradutor Dionísio dos Anjos revela neste texto de temática religiosa. Deixo aqui dois exemplos da desenvoltura deste tradutor do século XVII:
Meu esposo, escolhido entre milhares de homens, he na cor aluo, & rosado; leua na graça aos mais filhos de Adão a mesma ventagem, que hum pessigueiro florido, as aruores siluestres: senteime debaixo de sua desejada sombra, prouei de seu fructo, & acheio suauissimo ao gosto.
Ah ditosa vida, quanto me enfastia jà esta de minha peregrinação! O reyno aonde se viue sẽ morte, & se permanece sẽ fim, aonde não ha curso de annos, successaõ de idades, o dia he sem noite, & sem mudança o tempo.
Termino com um agradecimento a Telmo Fonte, voluntário da Bibliotrónica Portuguesa, que generosamente fez a revisão desta reedição, agora oferecida aos nossos leitores.