Ao investigar a história editorial de Tanta Gente, Mariana, de Maria Judite de Carvalho, dei-me conta de que, na mais recente edição, com a chancela Minotauro (Almedina), alguém tomou uma decisão discutível. A «Avenida de Berne», referida mais de uma vez no texto da escritora, passa a «Avenida de Berna», nome pelo qual conhecemos atualmente a avenida lisboeta.
Como se pode verificar pela imagem junta, o nome da via nem sempre foi o que lhe damos atualmente, pelo que, para a escritora, nos finais dos anos 50, talvez ainda fosse «Avenida de Berne». Talvez Maria Judite de Carvalho usasse ainda o nome alemão da cidade com que se batizara a avenida nova e que, entretanto, se aportuguesou. Teremos boas razões para pensar assim, ao considerarmos que também se lê «Avenida de Berne», na 5.ª edição de Tanta Gente Mariana. Saída em 1988, a edição da Europa-América (a 5.ª) tem a indicação de ter sido revista, o que deverá significar ter sido revista pela escritora. Este revisão faz da modesta 5.ª edição o lugar onde provavelmente se guarda a última vontade de Maria Judite de Carvalho sobre Tanta Gente Mariana. E também aqui se lê: «Avenida de Berne».
A edição da Minotauro atualiza, portanto, o nome da avenida, apagando uma referência histórico-cultural. Tive curiosidade: fui à procura do nome do responsável pela edição; de uma nota que explicasse se o atropelo teria sido acidental ou justificado, pelo menos anunciado. Nada. Encontrei indicação do responsável pela paginação, pela fotografia da capa, do responsável pela impressão e pelo acabamento. Mas sobre o responsável pelas decisões de edição: nada. E, no entanto, notem: a esta pessoa não identificada devemos a decisão de editar a partir da 5.ª edição – o que é uma excelente decisão – e não a partir da 1.ª edição, nem da última, já posterior ao falecimento da autora. Igualmente importante: a esta pessoa se devem intervenções que nos afastam do texto da 5.ª edição. Algumas mais defensáveis do que outras. Creio que teria sido importante conhecer os critérios destas intervenções. Afinal… não foi certamente a autora que as fez.
Ângela Correia
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa