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De repente, em cidades secundárias, vejo mil retratos de supervendedores de casas, em cartazes gigantescos, de 12 metros e mais, por essas estradas e ruas fora: todos de braços cruzados. A tendência é nova.

As mãos sempre foram um desafio quando alguém tem de posar para a fotografia ou perorar perante uma plateia. O que fazer das mãos, quando se ganha consciência delas? Sempre se prescreveram soluções e truques; muitos tão depressa prescritos por uns como liminarmente proibidos por outros.

Para a foto: mãos atrás das costas – é melhor não, porque parece que se está a esconder alguma coisa; ao longo do corpo – talvez dê a ideia de grande rigidez; mãos cruzadas abaixo da cintura – pose um pouco antiquada; mãos cruzadas à altura do peito – parece algo religioso… enfim, não há receitas definitivas nem infalíveis. O grande segredo estará afinal mais no ator do que no ato.

Para a presença defronte de uma plateia: ter alguma coisa nas mãos, uma caneta ou um clipe podem ajudar a concentrar-se quem tem o objeto na mão – mas os objetos podem distrair quem está na audiência; nunca pôr as mãos nos bolsos, que é falta de educação – pôr as mãos nos bolsos; gesticular para ajudar a ilustrar o que se está a dizer – não gesticular demasiado: somos latinos mas não demasiado.  

Até há pouco, quando alguém ia falar perante uma plateia ou tirar fotos para perfis públicos (CV, anúncios, redes etc.) proibiam-se os braços cruzados e prescreviam-se poses de peito aberto; dizia-se que assim se passaria uma imagem confiante, de abertura e franqueza, nada defensiva. O mesmo para entrevistas de emprego ou reuniões. Aparentemente, agora as pessoas de sucesso mostram-se em fotos de plano médio, de braços cruzados à altura do peito.

É bom saber, acho… embora me questione sobre como se argumentará a favor desta nova tendência. Já por aí ouvi falar de «empoderamento». Será?

Na realidade, a única pose que ainda me ofende os sentidos, incluindo o sentido moral, é a de qualquer pessoa em apresentação pública com as mãos nos bolsos e, no caso de um representante do sexo masculino, mesmo numa simples conversa. Conservadorismo? Talvez, mas ainda o interpreto como falta de educação. De resto, considero que, dependendo das pessoas e das circunstâncias, tudo pode funcionar muito bem ou falhar redondamente. Não acredito em verdades absolutas. As «ciências exatas» que estudam as técnicas da expressão corporal e os grandes prescritores dessas verdades absolutas deixam-me sempre tão de pé atrás que, não raras vezes, temo desequilibrar-me.

E daqui salto diretamente para uma outra prescrição muito em voga: a da simplificação do português, principalmente na comunicação comercial por escrito, diretamente com clientes e utentes. Prescreve-se hoje em dia que a abordagem seja feita de forma inteligível e simples – até nem parece mal. O que realmente me assusta nestas prescrições é a sanha esmagadora da «simplificação»: não se pode dizer «obter [uma informação]» nem «consoante [o tempo]» porque são palavras «caras». A sério?!

Hoje em dia, com a preocupação de «pensar cliente» e «falar simples», o português é mantido rente ao chão. Em vez de usufruirmos do português como instrumento rico de capacidade expressiva, esforçamo-nos por mantê-lo tão «elementar» que parece limitado no vocabulário e básico na capacidade de expressão. Estamos a alienar património, a cultivar o grau zero da nossa língua.

Já ninguém se admira que o português seja atropelado, sem apelo nem agravo. Farto-me de ouvir fórmulas anglófonas erradamente utilizadas em português: «endereçar questões» (diretamente do address), em vez de abordar. Ora bem, para endereçar é preciso pôr um endereço algures, normalmente cartas ou encomendas, e enviar o dito envelope ou embrulho. E o «eventualmente» que deixou de ser «talvez», «provavelmente» para passar a ser «por fim»? E o agora constante «é só estúpido» (it’s just stupid)? Lá está a anglofonia. Mas isto levar-nos-ia por um caminho infinito, eventualmente.

Nazaré Carvalho nasceu em Lisboa e trabalha em comunicação e edição há mais de 30 anos. Formou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e é convidada do blogue da Bibliotrónica Portuguesa. Edição e fotografia: Ângela Correia. 

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