Enganos, de Ângela Correia, foi publicado, pela primeira vez, em 1997. No Jornal de Letras, Artes e Ideias, Fernando Venâncio dedicou-lhe na altura uma crítica que dizia assim:
Uma casa editorial jovem (tem cerca de três anos), uma autora sem obra conhecida – e um livro invulgar. Tem, pois, de sublinhar-se a aparição deste volume, «Enganos», de Ângela Correia, trazido a público na coimbrã A Mar Arte. Um perigo destas magníficas três histórias (para além do perigo, mais receável, de não se reparar muito nelas) é poderem ser etiquetadas como «histórias medievais». Não porque não o fossem, não porque a Idade Média tivesse de ser desinteressante, mas muito simplesmente porque nunca houve, entre nós, histórias «medievais» assim. E assim quer dizer com este desencanto, com esta atenção para a lamentável («trágica»já seria exagero) queda humana para o engano. Daí todo o fascínio destas narrativas.
Habituados a ver na época medieval o «heroísmo» ou a «ingenuidade», há-de custar-nos aceitar nela o «equívoco». Ora, é de graves equívocos que são tecidas as três histórias (quem ler verá que essas histórias são uma só), onde até Deus e os sonhos se enganam. Sobretudo se os filhos esperados, e prometidos, nos saem tanto às avessas. Como às avessas saíram as vidas dos pais deles. De autêntico, só o amor (o que, por ser lugar-comum, não é aqui menos convincente), para mais se não correspondido, como o dessa Margarida que ama Bernardo, o desse Martinho que também ama Bernardo, que é um falso monge e que não ama ninguém (conto «Bernardo»). Mas há, também, os homens bravios que amam Catarina, a prostituta do «monte das oliveiras», e que são, e apreciam ser, «pais» colectivos da filha que ela teve (em «Matilde»). E há a «criada muda» que ama o segundo de dois gémeos, o gémeo errado, que a Sorte parecia a nada dever destinar (em «Julião»).
Afora esses amores, todos tão magnificamente desinteressados, tudo são enganos. Uns mais vulgares, outros menos. Ângela Correia não força nem a nota nem a história. Os enganos virão por si.
Esta é a primeira vez que a Bibliotrónica Portuguesa publica a reedição (revista pela autora) de uma obra que ainda não se encontra em domínio público. Fica, porém, agora, de acesso livre.