Entre as leituras gravadas de texto literário há as que são competentes e cativantes, habitualmente protagonizadas por atores profissionais. Nestas leituras encenadas, quem lê representa (para usar o verbo dos atores), passando uma interpretação do texto lido, que, sendo envolvente, também se fecha sobre si própria. O que no texto sempre fica aberto e livre para cada leitor ali encerra-se, deixando os leitores-ouvintes na posição mais confortável de público instalado diante de um trabalho profissional, nada semelhante ao esforço felizmente amador da leitura silenciosa e individual.
Procuro há muito uma forma de ler em voz alta que, embora consciente e praticante da técnica que permite a comunicação, se abstenha de escolher uma só interpretação. Uma forma que mantenha a imperfeição da leitura feita no silêncio de cada pensamento legente. Que mantenha o improviso, a surpresa e até os pequenos tropeções da descoberta, próprios da leitura silenciosa e individual; sem abrir mão das qualidades que permitem a partilha do que nasce individual.
Creio que a fórmula alquímica poderá estar em privilegiar o ritmo e a articulação em vez do sentido, de modo a que este possa libertar-se, mais do que colocar-se diante do ouvinte. Creio que poderá encontrar-se no esforço de ausência da pessoa que lê, em tudo contrário ao inestimável esforço do ator. Um som que talvez só consiga obter-se numa primeira gravação de leitura; e que me faz lembrar o som das variações de Goldberg de Bach, gravado em 1955 pelo pianista Glen Gould. O som da procura, da viagem, mais do que o da chegada. Como o som íntimo da leitura; não como ele realmente existe, mas como ele existiria se na intimidade do pensamento não estivéssemos sozinhos. Não menos um fingimento do que o fingimento de uma encenação, bem sei; mas o fingimento da própria leitura, por oposição ao da coisa lida.
Na leitura que aqui deixo de Libas Furiosa, conto da autoria de Helena Sardinha ilustrado por Guilherme Pinto, não creio ter conseguido exatamente o que procuro. É um primeiro passo neste caminho, onde fica claro que uma leitura gravada, para outros ouvirem, é também um ato de edição. Tão sujeito, quanto os outros, às regras que a garantem.
João Máximo
Compreendo o objetivo, que é meritório, mas corre-se o risco de cair numa toada monocórdica e monótona, que nos adormece ao invés de nos deixar concentrar no texto com liberdade para o interpretar.
Para evitar este problema, a leitura tem de ser musical sem ser emocional, o que não é fácil, aceito.
Bibliotrónica Portuguesa
Exatamente!
Obrigada pelo seu comentário.
ÂC