Em criança dormia às vezes com a minha avó materna. A minha avó não era maldosa mas não era muito minha amiga. Mas isto não interessa agora. Ela ensinou-me uma oração para rezar antes de adormecer:
Nossa Senhora faz meia
com linha feita de luz
o novelo é Lua cheia
as meias são pra Jesus
Ainda hoje esta oração é mais eficaz para mim do que Lexotan. Porque não é só uma pastilha, porque não é uma pastilha. Embora às vezes as pastilhas sejam necessárias, benéficas. Esta oração dá sono, é tranquilizante, é uma oração ansiolítica, acalma.
Disse-me a investigadora Maria Aliete Galhoz que esta oração é da tradição oral. Orar, uma oração, é oral, tem a ver com a boca. Mas há orações que não são da tradição oral.
Esta oração, com variantes, está no Só, livro de poemas de António Nobre (1867-1900) publicado em 1892. A minha avó materna nasceu em 1901. A minha avó não leu o Só, deve ter aprendido esta oração como o António Nobre a deve ter aprendido, como eu a aprendi.
Na edição que tenho do Só, a da Livraria Civilização Editora, Porto, 1983, p. 62, a oração é:
Nossa Senhora faz meia
Com linha branca de luz:
O novelo é a Lua Cheia,
As meias são pra Jesus.
Estou a escrever esta crónica a 21 de Julho de 2016 em Lisboa e ontem vi a Lua cheia. Gosto de ver a Lua cheia. Também por isso gosto desta oração. A noite é azul para os meus olhos, para a minha mente, e o manto de Nossa Senhora é azul, a figura do Presépio da minha infância tem um manto azul. É por isso que digo que esta oração é azul.
Possivelmente Fernando Pessoa também estava a pensar nesta oração quando escreveu o verso 69 do VIII poema d’ O guardador de rebanhos:
A virgem-Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
Adília Lopes