Dia de primavera.
No adro do templo, os comerciantes procedem à sua atividade.
Jesus, ao vê-los, expulsa-os com severidade tamanha, gritando que não façam do templo um negócio. Os comerciantes, indignados, pedem-lhe um sinal de autoridade, e Ele responde que, se o templo fosse destruído, seria reconstruído em três dias. Os vendilhões retiram-se, furiosos, prometendo vingança. Congeminam durante semanas, até que, certo dia, recebem a notícia de Jesus ter morrido.
Posto isto, os vendilhões veem reposta a justiça no regresso ao templo.
Contudo, como é lógica de todas as histórias, um dos vendilhões achou o simples regresso ao templo restituição insuficiente, pois, apesar de terem recuperado o negócio, não tinham como recuperar os prejuízos provocados por aquele interregno.
Num dos dias em que meditava sobre o assunto, ouviu a notícia de que, dali a três dias, celebrariam, pela primeira vez, o nascimento do homem que, soube mais tarde, se chamou Jesus.
A pessoa que o informava começou a contar-lhe as peripécias do nascimento tão detalhadamente como as ouvira ao irmão, que as ouvira a um sábio homem chamado Mateus.
– E então, apareceram depois uns pastores que…
– Espera… estás a dizer que um primo teu vendeu incenso a um mago, que depois o ofereceu a Jesus, pelo nascimento dele, que agora querem celebrar? E que mais dois fizeram o mesmo?
– Sim!
Ao mesmo tempo que escutava aquela afirmativa nota melodiosa, o vendilhão…
Luís Ramos
José Serra
Não se faz: põe-me a salivar como o cãozinho do Pavlov e, depois, tira-me a isca do prato?!
Ângela Correia
Eu diria que a abrupta suspensão é uma forma de levar os leitores atrás, à procura do sentido que atravessa a história; uma forma de o autor dizer: meu caro leitor, não pense que estou só a entretê-lo com uma história, porque estou a dizer-lhe uma coisa importante; faça o favor de tomar atenção. Diria também que a tal coisa importante que o autor deixa dita nesta história é que o Natal e o comércio andaram envolvidos desde sempre, embora nós gostemos de achar que agora é que andamos perdidos. Ou seja, a tal coisa importante para que o autor quer chamar a atenção, com a suspensão mais abrupta que uma travagem em montanha-russa, é sobre a natureza humana.
José Serra
É evidente que sim; mas se eu não estivesse a apreciar não me teria lamentado.
O género humano é o que é: capaz de sublime abnegação ou da abjeção mais infame. Hoje, como ontem.
Já Agostinho de Hipona se lamentava dos alunos malcriados e dos caloteiros burlões… naquele tempo!
E o texto leva-nos naturalmente a estes pensamentos.