Escrevo estas crónicas à máquina, «uma máquina mecânica», isto é, que não é eléctrica, uma Olivetti Studio 46 que me ofereceu um leitor. É assim que gosto de escrever. Quando escrevo directamente no portátil, também oferta de uma amiga, as crónicas e os poemas não me saem tão bem, acho eu. Lembra-me uma professora velhota do Instituto Britânico que dizia dos assados no microondas nos anos 80, quando começou a haver microondas: «I taste microwaves».
Para a minha avó materna não havia fogões, nem fósforos, nem cozinhas. Não sei o que se passava na cabeça dela. Não era senilidade, disseram-me que foi sempre assim. Nunca foi rica mas teve sempre quem cuidasse dela, quem cozinhasse para ela. A única coisa de cozinha que a minha avó fazia era pudim de pão com muitas passas; era delicioso. Mas não era ela que acendia o forno, que lavava a loiça. O que ela fazia era deitar os ingredientes para uma tigela e começar a mexer. Era a irmã que fazia o resto.
A minha avó assinava uma revista das missões, assinava várias, aliás. Uma vez viu numa revista dessas a receita de um bolo que se chamava «Bolo sopro». Penso que seria tradução do francês soufflé num tempo em que em Portugal tudo era ainda francês. Apeteceu-lhe experimentar. Lá foi com a irmã para a cozinha. Fez-se o bolo, tirou-se do forno, tirou a irmã ou a criada, e o bolo abateu completamente, veio abaixo, ficou uma queijada chata enqueijada que não se podia comer, que ninguém quis comer.
Durante muito tempo a minha tia, irmã da minha avó, fez troça da minha avó, dizia «o bolo sopro era mesmo sopro». Muito nos rimos cá em casa com o bolo sopro que era mesmo sopro, que nunca foi bolo, foi só sopro e vontade de rir.
Escrevo esta crónica na cozinha onde isto se passou. É na cozinha, nesta cozinha, que gosto de escrever.
Adília Lopes
Nestor Martinez Soto
Que maravilha as crônicas da Adilia Lopes, sempre é bom também fazer as coisas com simplicidade, essa simplicidade que fomos perdendo com o tempo. Seria bom voltar em alguns casos aos nossos inícios. Tudo seria mais autêntico.
Parabéns Adília!. Gosto muito de ler as suas crônicas. Abraços desde o Paraguai.
Mira Martins
Simples e encantador
Pedro Serrano
Uma sensação de déjà vu me acomete…