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Decidi escrever um diário. Não em suporte informático, mas escrito à mão, de forma que cada inflexão da caligrafia, cada palavra escolhida sejam cravadas no papel. Vou expressar os meus pensamentos e acontecimentos factualmente, sem esconder nada. Quando escrevemos sobre nós, não devemos mostrar compaixão. Pretendo fazer o diário durante um ano. No fim deste período, será triturado e depois queimado. A experiência terá acabado. Sem deixar registo.

Comecei a escrever e acabei com a frase: «…talvez não deva preocupar-me com a possibilidade de as pessoas não gostarem de mim.»

Quando olhei para as palavras escritas, não vi verdade, apenas orgulho. Quem me dera não ter usado a palavra orgulho. Não posso riscá-la, pois não a escrevi. Mas pensei-a! Se pudesse somente falar, sem pensar. Raios! Desculpem. Eu só… vocês entendem… Eu… pensava que as coisas podiam mudar, sabem? Pensava que as pessoas ouviriam. Mas não. Acho que não. Senti-me indefeso, como se estivesse a lutar toda a noite com um demónio. A tentar compreender cada afirmação, cada pergunta, cada resposta: uma luta mortal. Conseguirei seguir em frente? Será a coragem a solução para o desespero? A razão parece não dar respostas. Não sei o que trará o futuro. Tenho de escolher, apesar da incerteza. A sabedoria encerra duas realidades contraditórias na nossa mente: esperança e desespero. Uma vida sem desespero é uma vida sem esperança. Só manter estas duas ideias é vida.

Pensei: um ano? Conseguirei fazer este exercício por tanto tempo?

Revi tudo o que escrevi. A imperfeição, assim exposta, irritava-me. Que noite terrível. Mesmo antes de fechar os olhos, a aflição instalou-se. Vou rasgar estas páginas. Não encontro paz neste diário. É pena de mim, nada mais. Removi as páginas escritas; contudo, estava determinado a continuar. Devo pôr a caneta a trabalhar. Sim. No entanto, não desta forma.

Hélio Sequeira

Os Invulgares

Comments(2)

    • fernanda campos

    • há 6 anos

    Gostei muito. Tentativa difícil para mostrar o lado interior da alma, aquele que nunca mostramos. Desejo que encontre a outra forma de pôr a caneta a trabalhar para conseguir isso. Parabéns!

      • Hélio Sequeira

      • há 6 anos

      Muito obrigado pelo seu comentário.

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