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«O que muitos sabem não é menos importante para quem o descobre pela primeira vez» escreve Agustina Bessa-Luís n’ O Concerto dos Flamengos, romance publicado em 1994. Lembro-me da alegria que foi para mim aos 14 anos descobrir o teorema de Pitágoras. Foi descoberto há muitos séculos. O que vou contar aqui hoje é porque é que o um, o número 1, me faz confusão. Esta questão está certamente muito estudada. Tenho pena que o programa Isto é Matemática tenha acabado. Talvez o Professor Rogério Martins falasse sobre este assunto.

Hoje é o dia dos namorados, o dia 14 de fevereiro. De hoje a oito dias é dia 21 de fevereiro. Hoje é 3.ª feira, a próxima 3.ª feira é dia 21 de fevereiro.

14 + 7 = 21

Eu digo «de hoje a 8 dias» mas somo sete ao dia de hoje, não somo oito, para saber que dia é. É este «mais um» que me faz confusão. Se tomar um comprimido todos os dias de 14 de fevereiro a 21 de fevereiro tomo oito comprimidos, não tomo sete. Se puser o meu indicador direito em cada casinha do calendário, conto oito casinhas, não conto sete.

Isto também vale para as páginas dos livros. A citação de Agustina está na página 144 na minha edição, na edição que li, se contar oito páginas, pondo o meu dedo em cima de cada uma, chego à página 151, 151 = 144 + 7. Somo sete, não somo oito.

A explicação é talvez muito simples, mas assim de repente faz-me confusão.

Dei exemplos com sete e com 7+1=8, mas é assim sempre. Explico-me melhor. Se contar quatro páginas a partir da página 30, pondo o dedo em cima de cada página, chego à página 33, não chego à página 34. É só mais um exemplo.

Dia de São Valentim de 2017

Adília Lopes

[email protected]

Comments(2)

    • Fernando Lopes

    • há 6 anos

    É simples: de hoje a 8 dias (inclui-se o dia atual em que faz a declaração; “desde hoje a…2) é o mesmo que daqui a uma semana, em que é excluído o dia da enunciação (ou seja, uma semana após o dia em que se está). Ora, uma vez que 7+1=8, bate tudo certo, não é?
    “Se contar quatro páginas a partir da página 30, pondo o dedo em cima de cada página, chego à página 33, não chego à página 34”. Pois claro que não! Da página 30 à 33 vão 4 páginas. Já contar 4 páginas “a partir” da página 30 muda o caso de figura, porque entramos no maravilhoso mundo da ambiguidade, porquanto não sabemos se queremos incluir ou excluir a primeira. Com efeito, se o sentido for “desde”, “com início”, então 30 fica incluído na contagem. Se for “depois”, exclui-se 30. Depende sempre de já termos ou não lido a página 30…! Há tanto equívoco no mundo por causa disto, sim. Quantas vezes há quem diga “a partir de hoje não faço mais isto ou aquilo”, querendo dizer “a partir de amanhã”? Agora, imagine-se esta duplicidade, este tipo de ambivalência, no amor: é o cabo dos trabalhos! Um disse uma coisa que o outro bem ouviu, mas o primeiro diz que disse outra coisa, que o segundo mal ouviu! Isto, claro, se falarmos no amor com conversa, com diálogo, agora bastante frequente, que é o que potencia a retórica afetiva, a fala capciosa, justificativa em geral do injustificável…e por diante! Se quisermos ser escrupulosos nos sentimentos, isso não funciona, porque entramos numa semântica qualquer atinente apenas ao discurso, à verdade discursiva, traiçoeira; logo também quando fazemos contas sobre o tempo decorrido, porque ingressamos numa matematização do mundo, pouco compaginável com a situação humana e da natureza, tudo prenhe de “contradições”, de mudanças, ora mais lentas, ténues, ora mais bruscas. Com outras voltas e rodopios, já Kundera percebeu que o amor é lento, processual, amigo da memória, do conhecer, ao passo que a velocidade é parceira do esquecimento, atreita à ignorância, repudiando o conhecer em favor da informação brevíssima, inimiga, claro, do corpo, que o olvida em prol da virtualidade somente (poderíamos conferir Paulo Virilio, em “Velocidade de Libertação” ou outros escritos). O 1 não é apenas um algarismo ou um número, pois convoca a unidade, também representa a união ou unificação. Tem um poder aglutinador: tanto se agrega como puxa. Mas já sabíamos desde Zenão de Eleia que para se ter 1, temos de ter, por exemplo, primeiro, metade de 1, e metade desta metade, e metade desta, assim até ao infinito. Altura em que o 1 se parece esfumar, desaparecer, como se areia nos escorresse dos dedos da mão.
    Portanto, concluo, ao contrário da Adília, que o 1 não faz confusão nenhuma, bem como outros. São as pequenas questões situacionais que nos baralham, até porque, como sabemos, o 8 é quase o infinito, bem vistas as coisas.
    Resumo: “daqui a uma semana” é igual a “de hoje a oito”. Já quanto às páginas, aconselho o seguinte: “da página tal à tal” ou “desde a página tal à tal”. Porque desta maneira não usamos nenhuma aritmética dura, mas uma contabilidade muito elementar, ainda que eu seja pela supressão radical da matemática, em favor da geografia, altura em que dizer “dá página tal à página tal” é como dizer “do Porto a Lisboa”, em que 30, 33, 34 são apenas os nomes das páginas. (É certo que o Teorema de Pitágoras ajuda, que assim não nos perdemos tão facilmente, esquiçando previamente o espaço que havemos de considerar…)
    Porque já dizia Aristóteles, na sua explicação de ‘equívoco’ que ““Animal” tanto é o homem como aquele nome escrito, mas a razão para cada um deles há de ser diferente, pois não têm em comum senão o nome.” Em resumo, para cada um – animal e homem – se há de dar uma razão particular.

    • Fernando Lopes

    • há 6 anos

    Está visto que o problema não está no 1, mas no 2, que é quando tudo começa a dar chatice. Caiu um 2, parasitário, claro, em “(desde hoje…)”. Já dizia Lao Tse, Tzu, ou o que quiserem, no capítulo 42 de Tao Te Ching (ou ou outro título mais generoso, se encontrarem e preferirem): “O Caminho gera o um;O um gera o dois;O dois gera o três;O três gera os dez mil seres.” Temos depois no capitulo 43: “A não-existência pode penetrar no sem-espaço”. Sem perceber nada do que isto quer dizer, assevero que foi o que aconteceu aqui.

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