O meu pai nasceu e cresceu em Penamacor, que fica perto da Serra da Estrela e perto de uma cidade chamada Manteigas. Mas o meu pai odiava manteiga e queijo, que era incapaz de comer. Eu também odeio manteiga e sou muito esquisita com queijos. Detesto natas, detesto bolos com chantilly. Como estou gorda, as pessoas que não me conhecem pensam que eu gosto muito de bolos com creme, detesto bolos com creme, nunca gostei. O meu pai dizia-me que um avô dele também era assim. É genético.
Santa Margarida Maria Alacoque, a santa francesa do século XVII que difundiu a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, também detestava queijo e, na sua família, havia mais pessoas que detestavam queijo. Margarida Maria Alacoque forçava-se a comer queijo no refeitório do convento. Comia queijo com vómitos. Isto tinha um valor espiritual positivo para ela, nada tinha a ver com masoquismo, mas sei que esta é uma questão difícil para os meus contemporâneos.
Não penso fazer como Santa Margarida Maria Alacoque mas acho que posso entender a sua maneira de pensar. Por mim, gosto de comer uma comida que me saiba bem e de dar graças por isso.
Em minha casa nunca foi a sociedade de consumo. A minha avó materna disse-me para acabar de comer sempre toda a comida que tinha no prato porque há muita gente a morrer de fome. A comida é sagrada, não se come demais e não se desperdiça. Não é por gula que não deixo um bago de arroz no prato. Quando havia pão duro e já não se aproveitava, embrulhava-se o pão num guardanapo e era assim embrulhado que se punha no caixote do lixo porque há quem tenha fome e procure comida no lixo e porque o pão é sagrado. Não gosto de que me digam que, quando se reza no Pai Nosso «o pão nosso de cada dia nos dai hoje», se está a pensar num pão intelectual, que não é feito de farinha. Quando não há comida para sobreviver, não há neurónios, não há intelecto, não há vida, há muito sofrimento e morte. Não me venham com conversa fiada. Mais respeito. Plus de respect, foi o que ouvi a uma sem-abrigo em Marselha em 2004 quando o empregado do café onde entrou a pedir comida a enxotou.
Adília Lopes
Manuel Sa
Estou a gostar muito de ler as suas crónicas. Agradeço a partilha das suas memórias. Continue.
Carlos Arnaut
Cara Adília,
Que pena não gostar de queijo, quando ainda por cima se produzem bem perto da sua terra natal os melhores queijos do mundo.
“Helas” é por estas disparidades gustativas que porventura a nossa gastronomia é tão rica.
Um pedido lhe faço – continue atenta a quem, como a sem-abrigo, exige “plus de respect”.