Nada sabemos acerca do futuro. Foi escrito por muitas mãos. A vida é tão misteriosa como o nascimento e a morte. É segredo. Uns estão destinados a viver, outros a morrer. Nada é definitivo. Entretanto a vida continua com felicidade e tristeza, com perguntas sem resposta.
Sentia-me esgotada. As dores não passavam. Pelo contrário, estavam mais intensas. Era como se algo dentro de mim estivesse sendo estrangulado. Sentia dores durante horas a fio. Por vezes, tinha alguns momentos de relativo alívio, como se a dor se estivesse a reorganizar para um novo ataque. A medicação pouco adiantava. Quando conseguia dormir, tinha sonhos atribulados, nos quais aparecia de forma insistente uma cegonha negra que procurava arrancar-me a barriga. Quando acordava, exausta, era para enfrentar mais dores.
Às 5 horas da manhã, entrei no hospital pelas urgências: a maca empurrada por uma enfermeira. As portas abriam-se sucessivamente, como se sopradas pelo vento. A enfermeira estendeu a mão na minha direção e acariciou-me a cara. Depois parámos. Consegui ver uma porta entreaberta e ouvi o som de passos rápidos e vozes impacientes. Era uma sala incógnita, tinha um relógio e uma bandeja ao pé de uma cadeira. Levantei cautelosamente o lençol e olhei para o meu abdómen, mas, assustada, cobri-me rapidamente. A angústia aumentava. Ninguém aparecia, gritei em pânico.
Numa manhã, depois de duas ou três semanas, pareceu-me ouvir uma criança chorar. Desliguei a televisão para escutar. Ao longe, um choramingar fraco, mas constante. Ouviu-o no dia seguinte, e nos outros dias também.
Confiamos em qualquer coisa e, quando assim é, talvez seja melhor escondermo-nos de tudo para continuarmos a existir. Deixar o tempo levar-nos pelo caminho. Podem arrancar um bocado de nós, mas não as nossas incertezas.
Hélio Sequeira
José
«E com que direito largaste aquela criança ali?»
Valorizo tudo o que leio e me faz pensar.
Aconteceu.
Grato.
JAMS
armando sousa
Há dias em que aquilo que nos acontece não é igual ao que esperávamos. A todos aconteceu e a todos acontecerá. Dores, desamores, desaires, descaminhos, angústias, recusas, desgostos… luto. É isto viver, é essa a parte mais negra dos tortuosos caminhos que a vida nos oferece para percorrer. Recuso-me a fazer poesia desses momentos.
Armando
Joao Pires
Excelente. Parabéns.
Gostaria de escrever um conto original e exclusivo até 2500 caracteres para o LUSO.EU ?
Hélio Sequeira
Obrigado por todos os comentários.
Em relação à proposta do LUSO.eu – Jornal das comunidades (comentário de João Pires), vou entrar em contacto consigo através do seu e-mail referido no jornal.