O título desta minha crónica vem do romance de Graham Greene Travels With My Aunt, livro de que gosto. Quando eu tinha 11 ou 12 anos, juntei triângulos de papel dos triângulos do queijo Tigre porque ao fim de ter tantos, já não sei quantos, triângulos davam uma caixa de queijo Tigre. Informei-me, devo ter feito telefonemas, e descobri que tinha de ir buscar a caixa de queijo Tigre aos escritórios do queijo Tigre, que ficavam no Cais do Sodré. Não ia sozinha para tão longe, era muito nova, fui com a minha avó. Se havia algum problema, cedo percebi que a minha avó era tonta, a minha avó não resolvia nada, não percebia nada, vivia na Lua.
Não houve problema nenhum. Assumi o comando das operações, apanhámos táxis, eléctricos, autocarros, se calhar gastámos mais dinheiro em transportes do que se tivéssemos comprado uma caixa de queijo Tigre, mas divertimo-nos. Andámos pelo Cais do Sodré à procura dos escritórios do queijo Tigre. Batemos à porta de bares, era cedo, de tarde, estava tudo fechado e nem a minha avó nem eu fazíamos a mais pequena ideia do que fossem bares. Não sabíamos nada de nada e ainda bem. Ninguém nos faltou ao respeito e lá encontrámos os escritórios do queijo Tigre. Era a poesia do comércio. Um prédio pombalino, um primeiro ou segundo andar, um escritório pessoano. Deram-nos a caixa de queijo prometida e voltámos para casa com uma pequena aventura para contar.
De outra vez, fomos do extinto convento de Chelas onde a minha avó nasceu em 1901 e onde passou a infância. A minha avó é contemporânea de Simone de Beauvoir mas não é do século XX. Eu também sou um bocado assim por isso nunca me dei bem com a minha geração. E lá fomos nós de autocarro ou de eléctrico, a minha avó de chapéu porque uma senhora não sai em cabelo, mas com um chapéu velho, fora de moda, posto às três pancadas porque era pobre e distraída. Desta vez andámos por tabernas e casas de pasto do Beato a perguntar pelo extinto Convento de Chelas. Fomos sempre bem tratadas mas olhavam-nos como se fôssemos extra-terrestres, ninguém percebia do que estávamos a falar. Não demos com o extinto Convento de Chelas. Mas tínhamos dado um belo passeio ao Beato.
O extinto Convento de Chelas continua a ser para mim um lugar mítico como a nascente do Vivonne para Proust. Nunca estive no Convento de Chelas, mas é como se tivesse passado lá a minha infância porque eu passei a infância sozinha, sem outras crianças, e a minha avó e a irmã contavam-me o que era ter sido criança no Convento de Chelas. Muito mais tarde estudei documentos do século XVI ou XVII das donas de Chelas.
Podia escrever um romance histórico anterior à Primeira Guerra Mundial, mas escrever um romance é a pessoa meter-se num túnel e eu não gosto de túneis.
Manuel Sa
Gostei. Muito.