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Às vezes entra-me uma varejeira dentro de casa e fica a zumbir e a voar em ziguezag atormentada. As varejeiras transmitem doenças e podem parecer repugnantes. Também são belas. Têm azuis e verdes metálicos.

Nos Contos Impopulares de Agustina Bessa-Luís há um conto que fala de uma moto, o conto chama-se «No caminho de Emaús».

Hoje está muito calor em Lisboa, estou a escrever isto a 31 de julho de 2016 em casa e são 15h23. No conto de Agustina descreve-se um calor assim. A moto é comparada a uma abelha e a uma vespa, mas eu penso sempre numa varejeira. Acho as motos mais parecidas com varejeiras do que com vespas.

Estou a escrever isto e estou a ouvir uma varejeira. Antigamente, uma varejeira em casa era anúncio de visita. Boa ou má. Se a visita era má, punha-se o vasculho de pernas para o ar atrás da porta para a visita se ir embora depressa.

De uma vez entrou uma varejeira, ficou a voar atormentada, depois começou a andar em cima da janela, voltou a voar, voltou a andar em cima da janela e, às tantas, teve sorte, escapuliu-se pela frincha entre a janela e o chão. Outra vez não teve sorte. Voou atormentada, batia já de encontro às paredes, andava pelo chão de uma maneira que me fez lembrar um homem muito deprimido que andava na rua quase de gatas. No dia seguinte encontrei a varejeira no chão morta.

Não gosto de ver sofrer. Não gosto de fazer sofrer. Não gosto do sofrimento. Detesto o sofrimento. Pode dizer-se talvez que não faço mal a uma mosca.

Ando a folhear o catálogo da exposição de Bosch em Madrid. Não pude ir a Madrid. Lembrei-me de que Bosch é contemporâneo de Gil Vicente. Vê-se que são contemporâneos. Tenho vontade de reler e de ler Gil Vicente.

Adília Lopes

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