— A minha mãe nunca me abandonou e nunca me fez sentir um fracassado — disse-lhe eu.
— Ai não? E onde está a tua mãe agora? — gritou ela.
Em vez de lhe responder, peguei no copo e lancei-o furiosamente ao chão, num gesto violento.
Depois levantei-me da mesa e fui à casa de banho; atirei água à cara, olhei-me ao espelho e penteei-me. Que se lixe isto tudo! — pensei. Voltei à sala. Agarrei no casaco.
— Acabou-se — disse eu — não fico contigo nem mais uma noite.
Sem querer saber da resposta dela, saí porta fora. Meti-me no carro. Estava a ferver por dentro. Lutava por me controlar. Não estava em condições de conduzir. Tentava ordenar o mundo de forma lógica, mas desviava-me do sentido constantemente.
Saí do carro e pus-me a andar mecanicamente pela rua, procurando a luz do candeeiro seguinte. E do seguinte. O ciclo de sombras que se formava no chão, conforme passava de um candeeiro ao outro, começou a deixar-me a cabeça esclarecida. Quanto mais andava, mais confiança acrescentava. Uma confiança gelada e exata.
Dirigi-me ao carro. Girei a chave. Arranquei.
Sete anos! E não tinha nem mais um euro na carteira do que quando a tinha conhecido. Sete anos que tinham passado lentamente.
Muito bem. Tinha um plano a cumprir. As palavras que lhe tinha dito não eram pedras nem balas, eram apenas sons jogados no ar vazio, que não podiam causar nenhum dano real. Um indivíduo só se lembra do que tem a perder, quando sente na pele que está nas lonas. Sem dinheiro e sem mulher.
Parei para comprar dois éclairs. Os preferidos dela. Depois voltei a casa. Perguntava a mim mesmo por que não tinha amor na minha vida, como toda a gente.
Senti um arrepio de horror, mas sabia que a minha história não era de terror. Senti um calor de afeto, mas sabia que a minha história não era de amor. Talvez fosse a história de um verdadeiro monstro que era também um verdadeiro ser humano.
Abri a porta de casa e entrei.
Hélio Sequeira
Ana Rita Sintra
Muito bom! Uma fatia do real com um verdadeiro retrato do que é um ser humano, com todos os seus defeitos, incoerências, decisões precipitadas e arrependimentos.
Hélio Sequeira
Obrigado, Ana, pelo teu comentário.