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Vi Crónica de Anna Magdalena Bach, de Jean-Marie Straub, quando tinha 14-15 anos. Foi no Instituto Alemão em Lisboa. O filme tinha legendas em inglês. Eu queria ser realizadora de cinema. Jean-Marie Straub estava presente. Fizeram-lhe perguntas. A uma pergunta respondeu que tinha pena de não ter estudado mais matemática em novo. Simplício, personagem de Galileu, diz o mesmo. Nesse ano, eu tinha de escolher entre ciências e letras. Pensei no que Jean-Marie Straub tinha dito e, sempre a querer ser realizadora de cinema, escolhi ciências. Nunca me arrependi.

Aos 14-15 anos fiz um filme em Super 8 com uma colega do liceu. Aprendi muito a fazer este filme. Gostei de pensar no filme e gostei sobretudo de fazer a montagem. Os meus poemas, estas crónicas, quase tudo o que faço na vida é montagem. Uma sequência de fragmentos colados uns aos outros. A fazer a montagem descobri que podia raspar a película nas zonas em que estava preta e colorir com canetas de feltro. Fazia assim desenhos animados, era aleatório e abstracto. Gostava de usar canetas azuis e verdes exclusivamente.

No meu filme uma boneca era destruída. Hoje seria incapaz de fazer uma coisa destas. Faria um filme em que a boneca não fosse destruída e ainda uma criança pudesse brincar com ela. Detesto destruir. Jean-Marie Straub, no Instituto Alemão, tirou um retrato ao lado de um retrato de Bach. Quis ficar na fotografia a fumar. Acendeu um cigarro e só o fumou enquanto lhe tiraram a fotografia. Depois deitou fora o cigarro quase inteiro. Eu achei isto um desperdício, uma coisa fútil e vaidosa. Mas o cinema e as outras artes são muito isto. Num filme desperdiçam-se bonecas, cigarros etc. Desperdiçam-se? Não quero ser demagógica.

Agustina Bessa-Luís escreveu que Vieira da Silva pintava quadradinhos muito pequeninos para os quadros resistirem mais, durarem mais, para o óleo não estalar tanto. Não é uma questão de ser poupada, é uma preocupação ecológica.

Hoje acho que, se me quiserem tirar um retrato, apareço a fumar e, se não me apetecer acabar de fumar o cigarro, faço como Jean-Marie Straub, deito fora o cigarro. Mas a boneca não destruo. Faço outros filmes.

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Adília Lopes

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One Comment

  1. Diz que faz montagens. Gostei da ideia, assim como gosto do que escreve, aqui, nas suas crónicas. Faz montagens de “coisas” que conheceu/conhece, e que estão nas suas memórias, obviamente. E também faz montagens, com as que vai conhecendo. Fico à espera das próximas montagens.

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