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Eu tinha 12 anos e 56 como hoje não tenho, não posso nem quero ter. Era toda coquette. Ninguém imagina a minha vida em 1972. Escrevia para França a pedir amostras de cremes Yves Rocher, mandava cupons que vinham na Elle e recebia pelo correio bisnagas miniatura. Ia sozinha para a Baixa, comprava queijo flamengo dinamarquês no Jerónimo Martins na Rua Garrett, comprava livros na Bertrand do Chiado e enfiava-me no Museu de Arte Contemporânea onde não estava ninguém. Era burguesa aparentemente. Para mim o casamento era o quadro de Abel Manta A Partida de Damas em que um casal burgês joga às damas confortavelmente em casa. Nunca ninguém me ensinou a jogar às damas mas não tenho sido infeliz, não tenham pena de mim. Ainda tenho pachos (a minha mãe dizia parches) para pôr nos olhos umas coisas suíças que comprei nas perfumarias da Baixa. Como se eu fosse uma mulher muito vivida com grandes olheiras das noitadas! Cá em casa ninguém tinha estas manias.

Quando era muito criança perguntei à minha mãe: «Mãe, nós somos ricos?» A minha mãe riu-se e disse: «Não, somos remediados».

Detestava banda desenhada. Os livros que gostava de ver eram os livros de José-Augusto França sobre a arte em Portugal nos séculos XIX e XX. Não lia o texto, via as reproduções dos quadros e as fotografias dos edifícios. Quadros de que gostava: A Cancela Vermelha de Silva Porto, Casas Brancas de Capri e Casa das Persianas Azuis de Henrique Pousão. Gostava de ver no livro o Liceu Camões e a Igreja dos Anjos, edifícios do meu bairro.

Eu estava de facto muito só, rodeada de pessoas que viviam fora do mundo, que tinham parado no tempo. Cresci muito ao deus-dará. Valeu-me a escola daquele tempo e o meu bairro.

Nos romances, gostava das descrições, as personagens e o enredo não me interessavam muito. As pessoas não estavam na minha vida. Fui sempre bastante desastrada com as pessoas. Com os animais entendi-me sempre bem.

Continuo a gostar de todos esses quadros que referi. Não mudei.

Adília Lopes

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