Deitado sobre a cama, pensava no que haveria de dizer-lhe, quando ela respondesse à mensagem: «Queres almoçar amanhã?»
Ela ainda não respondera, mas ele já imaginava os dois à mesa. De que falariam? Ele não a conhecia bem. Ouvira falar dela a uma amiga que tinham em comum. Quanto mais ouvia criticá-la, mais ele ficava fascinado e tinha vontade de a conhecer. «Envio ou não envio?» Assim que chegou a casa, enviou a mensagem.
Sabia, por causa das reclamações da amiga, que a outra, por quem se fascinara, era amante de história de Portugal, assim como ele! Que incrível! Pensou ele, enquanto escrevia a mensagem. «Poder falar com alguém que sente o mesmo que eu.»
Não obstante, já tinham passado várias horas, e ela ainda não tinha respondido. Agora, enquanto tentava dormir, pensava: «tenho de a impressionar! Que reflexões ou frases posso eu dizer-lhe, quando ela aceitar o convite, para a deixar apaixonada por mim? Claro! Contar que o primeiro rei de Portugal não foi D. Afonso Henriques… Que mais… mostrar o meu fascínio pelos Descobrimentos… A história de o Vasco da Gama ter sido preso na Índia também é engraçada. Isto seria interessante. Pode ser que amanhã de manhã ela responda. Ainda há tempo.»
Na manhã seguinte, agarrou o telemóvel, clicou no botão e… nada. Ela ainda não havia respondido. A tristeza materializou-se num suspiro.
Já no passeio, encontrou um velho amigo de infância. «Há tanto tempo que não te vejo! Que tens feito?!» O amigo respondeu que estava a tirar História. «E sabes uma coisa incrível que eu aprendi sobre o primeiro rei de Portugal?» «Sei…» respondeu. «Não foi o D. Afonso Henriques!» «Pois não… a professora A. enganou-nos bem! Quer dizer, não é bem assim…» replicou o amigo… «Na verdade, nem um nem outro foram reis de Portugal, como ele é atualmente…».
Olhou ainda com alguma esperança para o telemóvel. Nada.
Mais tarde, enquanto estava sentado junto ao busto do professor J., um amigo acenou-lhe. Começaram a falar e sentiu a necessidade, não sabia bem porquê, de lhe falar do quanto achava mágica a ideia fundamental dos Descobrimentos, que é a pura aventura, o puro lançar-se ao desconhecido. Ele concordou, mas criticou a atuação dos Portugueses que escravizaram todos quantos foram encontrando. Ele respondeu ser triste, mas voltou à magia do alento inicial que tudo impulsionou.
Nada! Nada! Ao menos que dissesse não, pensou, depois de verificar que ela tinha visto a mensagem, mas não tinha respondido.
Saiu da aula de Literatura com um bom amigo que fizera na faculdade. E ele dizia-lhe: «nós temos esta ideia formada de que os Descobrimentos foram gloriosos, mas é tudo uma grande mentira… o teu amigo Camões é que nos explica isto bem!» «Meu amigo? Ai meu amigo? Coitado é do Gama!» «É, não é? Acho que o Camões teve para lá uns problemas com a família dele e depois vingou-se!»
Olhar para o telemóvel? Para quê? «Olha lá…» disse-lhe a consciência, «Pode ser que ela já tenha dito alguma coisa…» É evidente que não.
É noite. Está novamente na cama. Desiste.
Luís Ramos
Os Invulgares
Nuno Renato Marques
O Luís Ramos voltou a fazer das suas, ao relativizar o estar apaixonado, fazendo cair essa emoção de um pedestal. É o tornar quotidiano o enamoramento, que se perde diluindo-se numa acção banal. Há uma igualização do sentimento amoroso com as tarefas que fazemos todos os dias. Enamoramo-nos várias vezes por dia, e isso traz o amor ao campo do que pouco se destaca no dia a dia.
Talvez o Luís Ramos tenha tocado numa forma de vida do presente. Que começa pelo amor do passado, traído, pela forma como os coelhos copulam: apenas um interesse como outros e pequeno como um átomo na acção do quotidiano. que age num impulso de memória, como um despertador. Várias vezes lembrado e sempre à beira de ser esquecido.
É a intensidade que se modifica, para um conceito breve, agudo mas pouco duradouro.
Se o Luís Ramos me permite queria sugerir (mas sem malícia) que a forma de amar, é também, a forma destes textos digitais e telegramáticos. A Montanha Mágica é o amor, a brevidade, estas cócegas, tão agradáveis na mente produzidas nestes textos, que vêm na esteira do Livro do Desassossego e de Baudelaire, esses baluartes do instante.
Escrever num blogue é igual à existência, mas também é muito saboroso e, à sua maneira, intenso e interessante.
Luís Ramos
Agradeço o comentário. Na verdade, não fui eu. Talvez o destino? O amor, que num primeiro momento parece estar, como bem diz, no cimo do pedestal, é consumido pelas pequenas ações banais que dele se alimentam, sendo essa a razão, parece-me, que o leva “ao campo do que pouco se destaca no dia a dia”. O que realmente importou foram os pequenos encontros da personagem e as ideias que aí se expuseram. Mas estas não existiriam sem esse pretexto.
Talvez o amor seja o ponto de fuga para o qual tudo se dirige? Por isso ele é lembrado e esquecido. Nós não vemos o ponto de fuga da realidade. Estamos e somos a realidade. Mas podemos intuí-lo. Ele é lembrado e esquecido porque não está lá para ser captado por nós, apenas para ser lembrado. E tudo o que pode ser lembrado pode ser esquecido. O amor é uma projeção. Uma referência.
Talvez não dissesse «forma de amar», mas forma de nos relacionarmos. Concordo que a forma como nos relacionamos é também a forma destes textos digitais. Algumas formas, pelo menos. Pelo contrário, o amor, deve ser algo como ler Os Maias ou o Mau Tempo no Canal. Se uma relação não tiver esta duração ou profundidade, podemos chamar-lhe amor? O que é o amor?
É verdade. Breve mas saboroso. E se houvesse uma eternidade, como seria?